Por causa do TDAH, passei 28 anos me achando desastrada
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Por causa do TDAH, passei 28 anos me achando desastrada


Por causa do TDAH, passei 28 anos me achando desastrada

Após diagnóstico de déficit de atenção e hiperatividade, olhei para trás e, de repente, muitas peças se encaixaram

Chego a um aeroporto no limite das minhas forças, exausta depois de uma semana de trabalho intenso e sono mínimo. Procuro nas telas o meu voo para Madri e não o encontro. Revejo todas as opções e continuo sem achá-lo. Olho o bilhete e até pergunto no balcão de informações. Então uma senhora inglesa me indica, muito gentilmente, que estou no aeroporto errado. Fui ao Gatwick, e meu voo sai de Heathrow.

Esta é só mais uma dessas aventuras que levam meus amigos a brincarem com a possibilidade de vender uma série sobre a minha vida para a Netflix. Como no meu primeiro dia em Londres, quando saí de casa – sem as chaves – a caminho de uma entrevista, tropecei e caí. Rasguei a calça em dois lugares e perdi o cartão de crédito e o bilhete de transporte (ou seja, cheguei com a calça rasgada e duas horas atrasada). Ou aquela vez em que fui de Roterdã a Valência em 22 horas de trens sem nada (nem celular) porque perdi a mochila justo antes de subir no vagão. Para não falar das 12 telas que meu iPhone 4 já teve, da minha capacidade de chegar sempre atrasada, de chegar sempre atrasada, de esquecer aniversários e de me comprometer com mais coisas do que sou humanamente capaz de fazer.

Em suma: até bem pouco atrás eu assumia que sou, uma pessoa atrapalhada, desastrada mesmo, inepta para a vida cotidiana. Como se todo mundo tivesse passado pelo curso Vida-1, e eu tivesse caído direto no avançado. Paradoxalmente, tenho o triplo de dificuldade para as coisas mais simples, e só metade para as aparentemente difíceis. Sou arquiteta, trabalhei em alguns dos melhores escritórios do mundo, faço um doutorado, dou aulas e pesquiso na universidade, mas não me peça que entenda o site da Fazenda ou que administre uma conta bancária. A regulação da minha concentração está danificada: ou me hiperconcentro (no que eu gosto), ou não consigo passar nem um minuto sequer prestando atenção à mesma coisa.

Parece muito divertido, porque, claro, quando você me conhece eu sou um barato, tão engraçada! Uma adorável trapalhona! Mas quando você convive com isso dia após dia, ano após ano... já não é tanto. Não aguento a mim mesma, e os problemas deixam de ser cômicos. Já causei um mal-entendido atrás do outro com gente que realmente me importa. Cheguei a perder oportunidades (para não falar de namorados, hahaha). Também administrei mal o meu tempo e o meu dinheiro. Houve momentos em que minha inconsciência colocou minha vida em risco real e, sobretudo, tive uma ansiedade high level que acabou afetando a minha saúde. E, ao me ver incapaz de mudar, apesar dos meus constantes esforços para isso e para me tornar uma superwoman, fui invadida por uma brutal sensação de frustração e de menosprezo por mim mesma.

O diagnóstico

Há alguns meses, no ápice de umas das minhas crises (quando me enganei de aeroporto após semanas esquecendo as chaves, os cartões e até a senha do Visa), aconteceu uma reviravolta. Seguindo as sugestões de uma psicóloga amiga minha, e também um pouco por acaso, encontrei testemunhos de pessoas que sofriam da mesma coisa. Então descobri que o que acontecia comigo tinha nome.

Uma semana mais tarde, já haviam diagnosticado o meu TDAH, ou transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Meu psiquiatra nunca havia visto um caso tão claro como o meu na sua vida profissional. Pois é, se você procurar por esse transtorno em qualquer manual aparece a minha foto correndo pelos corredores. É verdade que já tinham me dito que eu parecia hiperativa. Mas (para minha sorte?) ninguém tinha reparado muito nisso, porque profissionalmente eu compensava o meu TDAH com uma alta capacidade. Entretanto, na vida pessoal, ah, aí era outra história.

Com o diagnóstico na mão, olhei para trás e, de repente, muitas peças se encaixaram: que eu falasse pelos cotovelos (saltando de um assunto para outro sem parar); que dissessem aos meus pais que, em vez de uma filha, pareciam ter duas (ou cinco); que me obrigassem a descansar quando viam que estava a ponto de entrar em choque mental depois de um esforço ininterrupto. Até então, nunca havia ligado os pontos. Mas graças ao diagnóstico soube que tudo vinha de uma mesma raiz.

Ter TDAH não significa só que eu não consiga ficar quieta (a gente aprende a dissimular, com mais ou menos sucesso), mas também que eu tenha a sensação perene de que alguma coisa dentro de mim está ligada, que estou caindo por uma montanha-russa infinita. Mesmo quando você se propõe firmemente a parar, não consegue mais. Dar um nome a isso foi o final da minha busca por entender o que acontecia comigo e por que viver era tão difícil para mim, e o começo da minha batalha para solucionar tudo isso. Embora, a rigor, não seja algo que tenha solução: eu serei assim para sempre.

Fonte: El Pais


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